Ok. Bill Gates sempre foi o protótipo do nerd. Mas isso não significa que a Microsoft queira ser vista como uma marca sem graça, enquanto a Apple conquista os consumidores mais descolados do mercado. A provocação da Apple foi um dos argumentos para a empresa dar início a uma tentativa de mudança de sua imagem pública - e a estratégia apresenta muitas semelhanças com o que a Apple fez até aqui.
A primeira providência tomada pela empresa de Gates para ficar mais parecida com a de Jobs foi contratar uma nova agência de publicidade para administrar sua conta de 300 milhões de dólares. A escolha recaiu sobre a Crispin Porter + Bogusky (CP+B), conhecida pela inovação e pela ousadia de suas campanhas - e pelo apelido de "Apple da propaganda". Em menos de cinco anos, a CP+B passou do status de agência marginal para o de primeiro time da propaganda, apoiada em uma receita que mistura campanhas recheadas de nonsense e humor negro com ações de grande impacto na internet - uma combinação que não raro acaba em polêmica. Em seu anúncio de estreia para a Microsoft, a CP+B contratou o humorista Jerry Seinfeld, por 10 milhões de dólares, para contracenar com o próprio Bill Gates em um estranho filme que se passa em uma loja de sapatos. A única menção a tecnologia no anúncio é quando Seinfeld, à saída da loja, pergunta a Gates se algum dia haverá computadores "úmidos e fofos como bolos para que a gente possa comê-los enquanto trabalha". Surpreendentemente, Gates responde que sim, com um rebolado enquanto equilibra um churro na mão. O filme, veiculado em setembro, provocou uma chuva de críticas e piadas na internet. A Microsoft chegou a divulgar uma nota a respeito. "Alguns podem se perguntar o que Jerry Seinfeld ajudando Bill Gates a escolher um novo par de sapatos tem a ver com software. A resposta, no mais clássico estilo Seinfeld, é nada. No entanto, o anúncio é o primeiro sinal de um ambicioso esforço da Microsoft em se reconectar com os consumidores ao redor do globo", anunciou a empresa.
Um segundo filme da CP+B, também com Seinfeld e Gates, colocou a dupla em uma típica casa americana enfrentando o desafio de se comunicar com "pessoas de verdade". O objetivo da campanha, dessa vez, ficou claro: ela mostrava como o Windows se tornou parte indispensável na vida de bilhões de pessoas no mundo todo. Duas semanas depois de veiculadas, as duas peças saíram do ar e foram substituídas por uma nova série de comerciais - ainda em exibição -, que respondem diretamente à provocação da série "Get a Mac", da Apple. Os filmes exibem pessoas de todas as partes do mundo, anônimas e celebridades, realizando tarefas relevantes e dizendo orgulhosamente "Eu sou um PC" ("Im a PC"). O objetivo é mostrar que a imensa maioria dos usuários de computadores do mundo usa produtos Microsoft e que eles estão além do estereótipo exibido nas campanhas da Apple. Uma pesquisa realizada pela consultoria nova-iorquina Brand Keys com 400 usuários de produtos Microsoft e Apple revelou que, embora os anúncios com Seinfeld tenham sido mal recebidos pelo público, a série "Eu sou um PC" teve impacto positivo. Segundo os entrevistados, a campanha passava a imagem de uma empresa tecnologicamente avançada e responsável do ponto de vista ambiental e social. "A Microsoft foi bastante feliz em valorizar sua presença global e sua capacidade de conectar pessoas", diz Amy Shea, vice-presidente da Brand Keys e responsável pela pesquisa. "Até pareceu moderna no anúncio."
O plano de mudança da imagem da Microsoft perante os consumidores não se dá unicamente na frente publicitária. No mês passado, a empresa anunciou a contratação do executivo David Porter, que será o vice-presidente da nova divisão de varejo. O objetivo é montar uma rede de lojas que funcionem nos mesmos moldes das atuais Apple Stores, onde os consumidores poderão conhecer os produtos da Microsoft e contar com orientação especializada. Ainda não há definição de quando e onde as novas lojas entrarão em operação, mas uma espécie de unidade piloto foi aberta em janeiro na sede da empresa, em Redmont, nos arredores de Seattle. Batizada de Centro de Experiência de Varejo, a loja funciona como uma vitrine voltada para os varejistas que distribuem os produtos Microsoft. "Nosso foco hoje é o consumidor, seja ele de games, de programas para PC, de celular ou de aplicativos online", diz Osvaldo Barbosa de Oliveira, diretor-geral do grupo de serviços online e consumo da Microsoft Brasil. "Esse é o mercado que mais cresce no mundo e não podíamos ignorá-lo."
Essa não será a primeira vez que a Microsoft se aventura no varejo. Em 1999, a empresa abriu uma loja chamada microsoftSF, em São Francisco. A loja era dividida em 12 ambientes e exibia 160 produtos da Microsoft e 90 itens de empresas parceiras, além de produtos licenciados com a marca, como bonés, camisetas e canetas. Entre as atrações estava a Digital Art Gallery, onde displays especiais exibiam o espetacular acervo de imagens da Corbis, empresa que também pertence a Bill Gates. A experiência, no entanto, naufragou e a loja foi fechada dois anos depois. Uma das explicações para o fracasso foi a falta de profissionais treinados para atender o público e fornecer explicações sobre os produtos - um dos grandes atrativos das lojas da Apple de hoje. A questão que se coloca para a Microsoft agora é se a estratégia de abrir uma rede de lojas é compatível com a crise que atinge a economia americana. A queda no consumo já fez grandes baixas no setor de varejo de eletrônicos - a rede Circuit City entrou em concordata em novembro, enquanto a Best Buy registrou queda de 6,5% nas vendas no último trimestre do ano passado. Mesmo a Apple, que tem se mantido incólume em meio à crise, enfrentou problemas em suas lojas, cuja média de vendas por unidade entre setembro e dezembro de 2008 foi de 7 milhões de dólares, ante 8,5 milhões no mesmo período de 2007. "A Microsoft está colocando o carro na frente dos bois: não são as lojas que trazem compradores para os produtos, mas sim produtos inovadores é que trazem os compradores às lojas", diz o analista Allan Krans, da consultoria Technology Business Research. "A Apple abriu suas lojas quase simultaneamente ao lançamento do iPod, enquanto a Microsoft não tem nada de revolucionário para mostrar."
O movimento da Microsoft para cativar os consumidores ocorre em um momento difícil para a empresa. Todas as suas tentativas para conter o avanço da rival ou alcançar um novo patamar de crescimento nos últimos dois anos não deram os resultados esperados. O Zune, lançado em novembro de 2006 para concorrer com o iPod, caiu na vala comum dos tocadores de MP3, sem uma fração do brilho ou do charme do aparelho da Apple. O novo sistema operacional da empresa, o Vista, que substituiu o Windows XP em 2007, teve um lançamento catastrófico com uma série de falhas e defeitos que emperravam as máquinas e impediam sua conexão com outros equipamentos. Apesar das mudanças e das correções feitas, o Vista teve sua imagem irremediavelmente comprometida, e o novo sistema operacional da empresa, o Windows 7, só deve chegar ao mercado no início de 2011. No começo do ano, os fracos resultados do último trimestre de 2008 (faturamento 900 milhões de dólares abaixo do esperado) levaram a Microsoft a anunciar o corte de até 5 000 funcionários, a primeira demissão em massa de sua história. Diante disso, a reconquista do consumidor por parte da companhia de Bill Gates é crucial. A Microsoft terá de provar que mesmo um nerd pode ter muitos encantos.
Fonte: Portal Exame
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